Trata-se de transcrição de um artigo de Carlos Castello Branco no JB. É uma carta longa, concordo, mas descreve facetas intrigantes de nosso Vinícius de Moraes
Aprecie.
Ainda sobre a cassação de Vinícius de Moraes
Carlos Castello Branco
Jornal do Brasil 27/12/1990
"Recebi esta carta da irmã de Vinícius de Moraes, Laetitia C. de Moraes Vasconcellos:
"Antecipando-se à carta que eu estava por enviar-lhe com relação à primeira nota de sua coluna o JB sobre Vinícius, o Sr. Rui Castro retificou parte das informações publicadas a respeito da saída de Vinícius da carreira diplomática. Servirá esta, agora, para dar-lhe mais detalhes do que aconteceu, então.
Segundo o que o próprio Vinícius, meu irmão, relatou à minha irmã Lygia, antes mesmo da edição do AI-5, ele soubera, através de amigos no Itamarati, que o presidente enviara a famosa nota ao então ministro Magalhães Pinto, vazada nos seguintes termos: 'Demita-se esse vagabundo’. Antes de prosseguir no assunto, devo explicar que, naquela época, eu trabalhava na FAO-Nações Unidas e tinha muito contato com o Itamarati, onde nunca encontrava Vinícius. Por isso, em certa ocasião, perguntei-lhe por que não comparecia regularmente à Casa, e sua resposta foi: 'Já me apresentei três vezes (depois de sua volta do Uruguai) ao secretário geral para ser designado para alguma função. Nada foi feito e eu me recuso a ficar andando pelos corredores, sem nada para fazer e até sem ter mesa e cadeira para mim.
'De acordo com um amigo de Vinícius na Casa (leia-se Itamarati), a quem o ministro transmitira o recado e pedira o levantamento da carreira dele, foi feito um relatório em que se destacara a atuação de Vinícius em Paris (onde a casa dele era considerada como que uma segunda Embaixada do Brasil e de onde, através de sua amizade com Sacha Gordine, nascera o projeto e o filme Orfeu do Carnaval) bem como o quanto ele fizera no Uruguai para divulgar a cultura e a música popular brasileira. No Uruguai, pude eu mesma constatar, quando meu marido foi ali designado como embaixador do Brasil no período de 1971 a 1974, a marca da presença de Vinícius no plano cultural e as inúmeras amizades que havia conquistado quando ali esteve como cônsul brasileiro nos idos de 1960. Eu costumava dizer a Arnaldo, meu marido, que me dava mais prestígio em Montevidéu ser irmã de Vinícius do que, propriamente, ser embaixatriz.
Pelo que soube por Lygia (eu me encontrava, então, com meu marido, em posto, no Egito), o presidente lera o relatório e o deixara de lado para decisão futura. Infelizmente, e a despeito dos serviços prestados ao país, o presidente teve por bem, eu diria por mal, cassar Vinícius, demitindo-o da carreira. A notícia chegou-lhe através de um amigo diplomata, quando ele, Vinícius, se encontrava em casa de minha mãe, já falecida, e habitada por Lygia. Vinícius ficou muito abatido, pois gostava da carreira, mas não chorou não. Naquele mesmo dia, recebeu telefonemas de dois amigos, Lauro Escorel e Carlos Jacinto de Barros, que lhe vieram hipotecar solidariedade.
No que diz respeito à volta dele à carreira, foi apenas por insistência de minha irmã, procuradora dele, que Vinícius, depois da anistia, permitiu que ela providenciasse sua reintegração ao Itamarati (uma maneira, segundo ela, de limpar sua folha de serviços) e apresentou, logo a seguir, seu pedido de demissão.
Quanto à lenda (e há tantas sobre Vinícius) de ter recebido a notícia na banheira, deve-se, creio eu, ao fato de ele gostar de mergulhado a meio na água, escrever seus artigos e letras de música em máquina colocada sobre uma tábua atravessada na banheira. Era também assim que muitas vezes recebia alguns de seus amigos.
E pela (espero) última vez (já o fizemos tantas vezes), queria deixar claro que Vinícius é Vinícius de Moraes — e nada mais. Foi registrado como Marcus Vinícius por meu pai, tendo Vinícius, já no ginásio, abandonado o Marcus, conforme consta no livro próprio do Cartório do Registro, passando a assinar-se apenas Vinícius de Moraes (xerox da identidade dele anexo). A lenda, mais uma, de ele chamar-se Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes deve-se a uma brincadeira, em verso, de Manuel Bandeira depois de saber que Vina (seu apelido de família) tivera inicialmente o nome de Marcus Vinícius e que ele descendia, por parte materna, da família Burlamaqui dos Santos Cruz e, do lado paterno, de Alexandre José de Mello Moraes, médico e historiador, pai de nossa avó. O Bandeira misturou essas informações e compôs esse nome, Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes, que o persegue até hoje.
Espero que, com esta carta, fique esclarecido todo esse assunto e ponho-me, juntamente com minha irmã Lygia, à sua disposição para qualquer informação adicional.
Ao desculpar-me por carta tão longa, gostaria de dizer-lhe o quanto apreciamos, meu marido e eu, suas crônicas no JB, pela clareza e dignidade com que trata assuntos outros de tanta relevância para o Brasil.
Sua admiradora sincera, Laetitia C. de Moraes Vasconcellos."
Pela transcrição,
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